26 março 2011

Vida em mim


Acabei hoje de ler "Vida em mim" do Nuno Lobo Antunes, editado por Verso da Kapa, Edição de livros lda, 1ª edição, Outubro de 2010.

Foi o 1º livro que li do autor e o que me despertou a curiosidade foi uma entrevista feita pelo Goucha no programa da TVI24 - "De homem para homem" a 6 de Fevereiro.

É uma semana na vida de um médico contada ao mesmo tempo que as suas memórias.

Gostei imenso do livro e da pessoa que o escreveu. Mostra-nos a sua humanidade e, embora zangado com Deus, que segundo ele, não fez a obra como devia ter feito e a deixou incompleta e cheia de defeitos, pareceu-me, daquilo que conta, uma pessoa com grandes qualidades.

É, além disso, um óptimo médico como tenho ouvido dizer.

Gostei de ler:
"As memórias são como brinquedos arrumados num cesto. Começamos por tirar umas para fora, e logo debaixo se revela outra, que nos apetece agarrar também, até termos espalhado no chão boa parte do passado. Depois, voltamos a arrumar tudo, até que um dia, por qualquer motivo, queiramos de novo brincar com elas."

Trouxe-me recordações da minha infância que estavam no "fundo do cesto":

"......E padeiros que deixavam o pão quente no saco de pano que a minha mãe lhes confiava. O pão não se limitava a ser alimento, era muito mais que isso.. O pão era uma obra de arte. Havia as vianas, com um entrançado que se separava do centro e se podia comer em separado. E os papo-secos......
....O leiteiro vestido de branco, surgia com vasos de alumínio à porta de casa, que o leite azedava se não fosse bebido de pronto. Os amoladores de facas e navalhas subiam lentos a rua, e anunciavam-se assobiando uma escala completa numa flauta de harmonia simples....enquanto empurravam uma bicicleta duma só roda, que tinha inevitavelmente um chapéu-de-chuva, de hastes quebradas, a tiracolo."

E trouxe-me a recordação do meu médico preferido, o meu Pai:

"....A prática clínica era para o meu Pai um razoável frete....
......Tinha uma enorme intolerância para a estupidez e uma tremenda falta de paciência para os enfadonhos......
......O meu Pai morreu e a arte de examinar um doente está moribunda....
......O estetoscópio revelava ao ouvido educado defeitos subtis....e apenas com os dedos e os ouvidos, rodando o fecho para cá e para lá,  descobria o segredo do cofre. Perdeu-se essa arte, substituída pela utilização da tecnologia......
....o meu Pai...a quem nunca ouvi dizer algo, a que não valesse a pena prestar atenção."


Tudo o que o Pai dizia, e falava pouco, valia sempre a pena prestar atenção....




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