31 outubro 2010

1 - Introdução

Nos últimos anos, todos nós fomos pedindo à Mãe Maria da Luz, para escrever ou ditar ou falar para um gravador a história da sua vida e relatos sobre a sua infância e juventude e sobre as pessoas da Covilhã que só ela sabia...

A Tété, sua neta, foi a que mais a massacrou com isso, ofereceu-lhe vários cadernos, um gravador, mas ela nos seus oitenta e tal anos já não se sentia capaz e apenas deixou escritos uns gatafunhos que ninguém percebe.

Porque penso que a vida da Mãe não pode ficar apenas na memória dos seus filhos e de alguns dos seus netos e porque gostaria que todos os seus netos e bisnetos ficassem com a história desta Grande Mulher que nos marcou a todos tanto, resolvi tentar escrever o que me lembro da sua vida e de factos a que assisti e das histórias que nos foi contando...

Este livro consta de duas partes: a primeira parte é escrita por mim sua filha mais velha – Ana Maria com a ajuda na montagem das fotografias da Madalena minha filha e da Mariana minha sobrinha; a segunda, parte é o conjunto de testemunhos, escritos, cartas, etc. que consegui recolher dos seus outros filhos, netos, bisnetos, outros familiares e amigos.

A capa é da autoria da minha filha Marta.

2 - Nascimento e Infância

No dia 6 de Março de 1914, nasceu no 2º andar do prédio da pastelaria Lisbonense, na Praça do Pelourinho da Covilhã (agora chamada Praça do Município) a primeira filha de Ana de Jesus Matos Morais (a Avó Matos) e de António dos Santos Morais (o Avô Morais).
Era neta materna de Manuel Jerónimo de Matos (bisavô Matos) de 49 anos de idade, natural da Covilhã e de Teresa de Jesus Rebelo e neta paterna de José Maria de Oliveira Moraes, natural da Covilhã e de Rosa dos Santos, nascida em Chaves.


A terra onde nasceu


As primeiras notícias da Covilhã remontam ao tempo dos romanos.
Crê-se que a percursora da Covilhã foi a povoação Silia Ermia ou Silia Elmminia, (também chamada de Cova Julia) fundada por Silius, general de César, durante o domínio romano na Lusitânia, mais concretamente na Ladeira de “Matir in Colo”.
A importância da cidade fica marcada quando, em 1764, o Marquês de Pombal aí instala a Real Fábrica dos Panos.
Este impulso dado à manufactura da lã, terá a sua continuidade no séc. XIX, durante o qual, se instalam na Covilhã muitas fábricas de lanifícios, que lhe valeram o nome de “Manchester Portuguesa”.
Desde D. Sancho I até D. Carlos, a Covilhã foi sendo sempre alvo do interesse do reino e a 12 de Setembro de 1889, no Diário de Notícias, podia ler-se: “A Covilhã é um fenómeno do trabalho nacional. É uma lição, é um incitamento”.
De facto, no início do séc. XX, a Covilhã era uma das cidades portuguesas mais importantes quer em termos populacionais quer, sobretudo, em termos económicos.
 Em 1911 a Covilhã era a oitava cidade portuguesa em número de habitantes, com 15 469.



O Pelourinho em 1915

                                          
                                                                                                   
Geograficamente, a Covilhã é a cidade mais central da Região Centro. Situada na Beira Baixa, é a segunda cidade do distrito de Castelo Branco e sede do Concelho da Covilhã.
Cidade industrial por excelência, a sua população era considerada a menos provinciana de toda a Região e a mais virada para o exterior.
Nos anos 70 a cidade sofreu a decadência da indústria têxtil, com a concorrência de outras regiões e o conceito de “Cidade fábrica” está neste momento ultrapassado.
A Covilhã, cidade do interior, “vive” hoje em dia fundamentalmente da sua Universidade (Universidade da Beira Interior criada em 1986) e do Turismo da Serra da Estrela.


O mundo que encontrou

Para situar o seu nascimento na vida política e social da época, consultei o n.º 54 do jornal publicado na altura a nível nacional: “Jornal de Notícias” cujo Director era Annibal de Moraes.
Dia 6 de Março de 1914 era uma sexta-feira.

As notícias dizem respeito, fundamentalmente, ao estado de sítio decretado no Rio de Janeiro e noutras cidades do Brasil, e algumas notícias de França e de Inglaterra como esta:

“Um petardo n’uma egreja
  Obra das suffragistas

N’uma destas noites rebentou uma bomba na egreja de S. João Evangelista, em Londres, causando consideráveis estragos nas portas e vidraças, que eram de grande valor artístico.
A força da explosão foi tamanha que alguns bancos que havia ao centro da egreja foram arremessados a mais de 15 metros de distancia.
Suspeita-se que tenha sido obra das suffragistas”.

De Portugal, apenas um “Boletim Elegante” que dá conta dos aniversários de pessoas da sociedade do Porto, dos novos hóspedes dos Hotéis da cidade (Grande Hotel do Porto, Nacional e Peninsularl) , de quem se encontra “incommodado de saúde”, várias anedotas e esta Gazetilha:

“O actual presidente do governo, depois de ter jantado com um diplomata brasileiro, foi com elle assistir ao espectáculo no Theatro da República, onde o Sr. Bernardino Machado se viu magnificamente caricaturado, pelo actor Henrique Alves, na revista “Tango Cordeal” (Notícia telegraphica de Lisboa)

Esta notícia, leitor,
não diz quanto se passou
e foi isto, quando entrou
o actor supracitado,
o Bernardino ao ver
em scena a sua figura,
fez-lhe, com larga mesura,
um cumprimento rasgado.

E depois, a certa altura,
encaixou, a toda a pressa,
o seu chapéu na cabeça,
que foi um ar que lhe deu;
pois o Bernardino teve
a ideia d’aproveitar
o ensejo de tirar
a si próprio o seu chapéu.

Através de pesquisa na Internet, encontrei como factos mais importantes ocorridos em Portugal e no mundo neste ano de 1914 os seguintes:

9 de Fevereiro – O governo chefiado por Bernardino Machado toma posse, tentando ser um governo de salvação nacional.
28 de Junho – O arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do imperador austro-húngaro Francisco José, é assassinado em Sarajevo, capital da província da Bósnia-Herzegovina, por revolucionários sérvios.
Discute-se no Parlamento português o orçamento do Ministério da Guerra. O Ministro confidencia a um dos deputados, sobre o que o exército tinha ou não tinha, para assegurar a segurança nacional: “Não digo que tem pouco, digo que não tem nada”.
28 de Julho – A Austria-Hungria declara guerra à Sérvia. A Rússia dá início à mobilização geral.
1 de Agosto – A Alemanha declara guerra à Rússia. A França declara a mobilização geral dos seus exércitos.
3 de Agosto – A Alemanha declara guerra à França e invade o Luxemburgo e a Bélgica.
O governo britânico entrega uma carta ao embaixador de Portugal em Londres, instando junto do “Governo português para se abster, por agora, de publicar qualquer declaração de neutralidade”.
Uma multidão junta-se à porta do Banco de Portugal para trocar as notas por metal, provocando uma crise financeira temporária.
4 de Agosto – Deflagra a 1ª Grande Guerra Mundial em que Portugal entrou para defender as suas colónias de Angola e Moçambique, atacadas pelos alemães.
Esta Guerra só terminaria em28 de Junho de 1918.





A sua família e o ambiente em que cresceu


Seu Avô materno

Manuel Jerónimo de Matos era filho de gente humilde.
Seu Pai era tecelão na fábrica da família Campos Mello.
Com apenas doze anos de idade, Manuel começou também a trabalhar na mesma fábrica, como operário tecelão, mas continuou a ir à escola aprendendo a ler e a escrever.
Como era esperto e trabalhador, depressa deu nas vistas e começou a ser chamado para funções de maior responsabilidade.
Conseguiu sociedade na fábrica e mais tarde instalou-se por conta própria e transformou-se num dos maiores industriais da Covilhã.
Foi um “self made man”.
Iniciou na Covilhã o envio de mercadorias para os diversos pontos do País, contra reembolso, o que na época, foi considerado um enorme avanço e próprio de um homem com uma grande visão e intuição para os negócios.
Dizia, nessa altura, a amigos seus que tinha um lucro de 1000$00 por dia (o que era uma fortuna...).
Era um homem não muito alto, muito simpático e apesar das suas raízes humildes, transformou-se num “grand seigneur” e no fim da vida era uma pessoa que sabia apreciar a vida requintada.



Dava-se com gente da alta sociedade. Quando ia a Lisboa, instalava-se no Hotel Palácio do Estoril e jogava às cartas com grandes homens de negócios, com os quais era capaz de discutir qualquer assunto.
Em casa, só comia com “talheres de prata aquecidos....” Isto foi-nos contado várias vezes quando éramos pequenos, para nosso grande deslumbramento....



Tinha uma enorme admiração pela mulher do seu primeiro patrão – D. Maria da Luz de Campos Mello – que o tratou em pequeno e enquanto seu empregado, com muita simpatia e humanidade e à qual ele associava a ideia de “pessoa de grande classe”.
Assim, foi ele que sugeriu à filha Ana que pusesse à neta, o nome de Maria da Luz.  

Baptizado




E, na verdade, foi inspirado pois eu penso que este nome marcou a minha Mãe.
Não podia chamar-se de outra maneira.
Ele fazia parte da sua força, da sua maneira de ser, da grande categoria de pessoa que veio a ser... a nossa querida Mãe, Sogra, Avó e Bisavó... Tudo nomes com letra grande.






Manuel Jerónimo de Matos casou 2 vezes:


- Do 1º casamento com Teresa de Jesus Rebelo, teve uma filha: Ana (a Avó Ana de Matos).

 

Manuel Jerónimo de Matos com a 2ª mulher e filhas





- Do 2º casamento com Antónia Rebelo, tia da 1ª mulher.(a madrinha como a Mãe lhe chamava) teve uma filha doente, que morreu e depois um filho, António Rebelo de Matos (Ti Matos) que se casou com Amélia Eugénia Vaz de Sousa e que foram pais da Miló, Nelinha e Geninha que vivem na Figueira da Foz.


Tinha 2 irmãos e 2 irmãs:

- Jerónimo Pintassilgo (Tio Jerónimo) – Pai de Maria José Pintassilgo da “Casa Pintassilgo” da Covilhã e avô de Maria de Lurdes Pintassilgo que já foi Primeira Ministra...

- José Pintassilgo (Tio Zé maluco) que o Avô Matos teve que internar no Telhal pois tinha graves problemas mentais. Fugia muitas vezes de lá e uma vez apareceu para grande vergonha da família, no Pelourinho, com um rebanho de cabras.


Tio Zé maluco
O Avô Matos tinha uma grande preocupação com este irmão e deixou-o protegido no seu testamento, legando aos herdeiros que tomassem conta dele até ao fim da sua vida, pagando-lhe todas as despesas.

Assim, este Tio Zé quando se zangava com os sobrinhos (Avó Ana Matos e Tio António Matos) ameaçava-os em altos berros e dizia “façam-me zangar, façam que eu vou-me instalar no Avenida Palace até ao fim dos meus dias e vocês têm que pagar”!!!




- Piedade Pintassilgo (Tia Piedade) da qual ainda me lembro de ir visitar a Mãe quando nós éramos pequenos – uma velhinha de carrapito, muito magrinha, com uma cara fina e um ar triste.

- Ana Pintassilgo (Tia Aninhas), que morreu com cento e tal anos mas da qual não tenho qualquer recordação. Apenas sei que todos os dias bebia uma chávena de chá verde e segundo penso tinha vertigens...

Todos os irmãos eram Pintassilgos e o nome provinha duma alcunha que o Pai deles tinha, porque cantava muito bem ("como um pintassilgo", diziam).

Manuel Jerónimo de Matos não gostava desse apelido e retirou-o do seu nome quando se casou pela primeira vez.

A nossa casa

Logo que conseguiu, começou a investir o seu dinheiro comprando casas no bairro de São Paulo e noutros bairros da cidade, que ofereceu ao seu filho António Matos.

 
Houve, nessa altura na Covilhã, um enorme incêndio (o incêndio da mineira) que destruiu toda a parte central da cidade:

"O Incêndio da Mineira em 14 de Junho de 1907, foi talvez o de maiores proporções até hoje ocorrido na Covilhã, não só pela extensão dos estragos materiais que causou, como pela autêntica tragédia humana que desencadeou e que se saldou com a perda de 7 vidas, apesar da heróica actuação dos bombeiros covilhanenses que suportaram estoicamente a dura luta com o fogo."
"Sobre os escombros seria construído o edifício do Banco Nacional Ultramarino, com frente para a Rua António Augusto D'Aguiar e o prédio de azulejos da família de Manuel Jerónimo Matos.
Este volumoso edifício tinha frente para as ruas António Augusto D'Aguiar, Capitão Alves Roçadas e para o "Pelourinho", cuja fisionomia alterou de modo sensível."
"Neste volumoso imóvel, existiam consultório médico, residências, estabelecimentos comerciais, escritórios, café, Central de despachos, etc. e até a redacção e a tipografia do “Notícias da Covilhã” ali estiveram instaladas, durante algum tempo." (excertos de artigos do “Notícias da Covilhã” nos anos sessenta)


O Avô Matos comprou esse enorme terreno na Praça do Pelourinho  e mandouaí construir um prédio todo em azulejos azuis, do qual ainda se pode ver a fachada que dá para São Tiago.
Fachada esquerda

A parte da frente do prédio ofereceu-a à Câmara para aí fazerem um jardim.

Este prédio manteve-se no centro da cidade até aos anos 50, altura em que foi visitar a Covilhã o Eng.º Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas do Governo de Salazar, que embirrou, por ver na Praça onde tinha mandado construir o prédio dos Paços do Concelho, um prédio de azulejos.
Desconhecendo ou fazendo por ignorar que aquele terreno tinha sido oferecido à Câmara pelo nosso bisavô para nele ser feito um jardim, mandou que construíssem na Praça um prédio em pedra, a condizer com a Câmara, que viria a ser para a Caixa Geral de Depósitos.

Ainda me lembro dessa obra que nos ensombrou todas as janelas da frente, deixando um espaço entre os dois prédios que as pessoas amigas chamavam o Beco do Amadeu!!!!!    (mas isso, foi muitos anos mais tarde...)

O prédio azul tinha 3 andares para a frente e 5 andares para a rua de baixo, com uma grande porta que dava para a Praça (Pelourinho) e uma escadaria enorme (pelo menos a mim parecia-me) com um corrimão brilhante, óptimo para escorregar.
Nos 1ºs andares ficou o armazém da fábrica.
No 2º andar ficou a viver o Avô Matos, sua Mulher e o filho António, que mais tarde herdou a casa depois da morte do pai.
Lá nasceram as suas três filhas – a Miló, a Nelinha e a Geninha.
Ofereceu à sua filha Ana, já casada e com dois filhos, o 3º andar da casa.

Contou-me a Miló que ele tinha a preocupação de comprar tudo igual para uma casa e para outra (o que dava à filha tinha que dar igual ao filho) e por isso tanto elas como a minha Mãe herdaram, mais tarde, imensas coisas iguais...

Vendeu o terreno atrás do prédio ao Banco Nacional Ultramarino, pelo valor fabuloso de seis mil escudos!!!! 
 Perguntou então à sua filha Ana, o que preferia que ele lhe comprasse com esse dinheiro. Se preferia um colar de pérolas ou um de brilhantes. Ela preferiu um colar de pérolas.
Esse colar é neste momento uma peça de estimação, pois com o aparecimento das pérolas de cultura, as verdadeiras deixaram de ter valor comercial.
Passou para a Mãe que mo ofereceu quando eu fiz 30 anos.
Era preferível ter sido o de brilhantes....



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A Quinta

 
 
Comprou ainda para oferecer à sua filha Ana, uma Quinta  na Boidobra, que por ter pertencido a uma Senhora de apelido Barreto, se ficou a chamar Quinta da Barreta.


Barreta

Esta Quinta foi durante 4 gerações, um dos sítios mais importantes da nossa família.

Foi na Barreta, que a minha Mãe e o Titó cresceram.

Mãe e Titó na Barreta
Foi na Barreta, que a Mãe passou a sua lua de mel.

Foi na Barreta, que o Avô Morais se esmerou em cultivar morangos, espargos, framboesas, melancias e plantou “prunus”, um buxo lindo, uma árvore no dia do nascimento de cada um de nós e onde fez com todo o carinho um azeite finíssimo, uma jeropiga excepcional e um vinho que ganhou vários prémios.

Foi na Barreta, que nasceu a primeira tulipa que o Avô Morais ofereceu à sua filha, no dia do meu nascimento.

Foi na Barreta, que nós aprendemos a vindimar, que vimos fazer o vinho e o azeite, que andamos de carro de bois (anda cá mourisca...anda cá malhada...), que começamos a andar de bicicleta.

Foi na Barreta que os meus irmãos e o Rui punham costis e caçavam com a “flaubert” uns passarinhos (não sei se eram pardais) que comíamos muito estorricados e que eram deliciosos.

Foi na Barreta que havia uma figueira que já tinha os degraus feitos para subirmos e brincarmos em cima do seu acolhedor tronco carcomido.








Foi na Barreta, que viveram connosco vários “Serra da Estrela” chamados ou “Tojo” ou “Leão”.

Foi na Barreta, que festejamos os nossos aniversários, com campeonatos de “mata” e de “volley”.

Foi na Barreta, que nos metemos pelo rio a dentro em grandes brincadeiras com as nossa amigas (Meca, Lena Ordaz, Alçadas, Lila, Noémia....)

Foi na Barreta, que o Sr. Espiga nas noites dos Santos populares fazia brilhar os mais sofisticados fogos de artifício.

Foi na Barreta, que a Isabel deu a sua primeira festa de dança.

Foi na Barreta, que passamos várias Páscoas e Verões com toda a família reunida.

Foi na Barreta, que a minha Mãe recebeu os netos durante vários Verões, com um batalhão de empregadas a ajudar e de onde todos os meus sobrinhos e filhas têm as melhores recordações de infância.
 




Foi na Barreta, que os meus sobrinhos tiveram como presente da Avó, um burro que havia de fazer a delícia das suas brincadeiras e uma casa de bonecas onde antes era a casa do pastor.





Foi na Barreta, que todos nós fomos felizes e passamos desgostos.

Com grande alegria e alguma saudade, cada um de nós vendeu ao meu irmão João no ano de 2002 a sua parte, de forma a que a Quinta que neste momento já era de imensa gente, se mantenha em pé, com alguém que a conserve e que se possa manter dentro da família.


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Sua Mãe e seu Pai

Foi com algum desgosto que o Avô M. J. Matos viu a sua filha Ana, para a qual tinha sonhado um grande casamento, apaixonar-se pelo empregado do seu escritório António dos Santos Morais (o avô Morais) bonito rapaz, trabalhador, mas que não correspondia ao que ele tinha ambicionado para a filha.

No entanto, o Avô Morais (o seu Pai tinha morrido com fama de santo) com a sua delicadeza, trato agradável e bom feitio, conseguiu cativar o sogro, que passou a contar com ele, como colaborador.

Ana, era uma personalidade forte, uma mulher alta e bonita, com cabelo preto forte e brilhante (que segundo a Mãe dizia, eu herdei) e que sabia bem o que queria





Com a sua generosidade e conversa fácil, tinha a amizade de muita gente na Covilhã.
Toda a gente a tratava por Dona Ana e mais tarde os caseiros da Quinta, tratavam-na por “Senhora Dona Donana”...


Sei que adorava o Pai (o Avô M. J. Matos), adorava o irmão António Matos  e também tinha uma predilecção especial pelo filho António.
 Isso causava uma certa perturbação e ciúme na filha Maria da Luz (a Mariazinha como era tratada).

 Quando tinha 6 ou 7 anos, deitava-se no meio do corredor a fingir que tinha desmaiado e ficava toda contente quando via a preocupação da Mãe.
Ana e António,  casaram no dia 15 de Setembro de 1910 e ficaram a viver na casa por cima da pastelaria, até ao nascimento dos seus filhos Maria da Luz e 4 anos mais tarde António e só depois se mudaram para o 3ºandar do prédio grande e azul.

 
Ana e António Morais


 

Manuel Jerónimo de Matos morreu, infelizmente para toda a família, bastante novo, com 56 anos de idade e sem ter tido tempo para deixar alguém preparado, para continuar e fazer progredir o negócio que tão bem soube iniciar e fazer prosperar.

Reparei agora, ao olhar para as sua Memórias, na quase coincidência de datas de nascimento e morte com as da sua neta Mariazinha.
Ele nasceu a 4 de Março (1865) e ela a 6 de Março (1914); ele morreu a 25 de Março (1921) e ela a 24 de Março (2002).

Foi um grande desgosto para toda a família.
Todos se vestiram de preto, as fardas das criadas eram pretas e até os bibes das crianças eram pretos.

A Mariazinha, com 7 anos, estava na varanda com o cabelo cheio de papelotes para encaracolar o seu cabelo finito, pois ia à noite vestida de anjo na procissão, quando lhe vieram dizer que tinha chegado um telegrama de Lisboa a participar que o Avô tinha tido um ataque de coração.
Teve muita pena mas não sabia bem se o seu maior desgosto era a morte do Avô ou... de não poder vestir-se de anjo...


Com os filhos de luto




Graças a Deus, havia a Avó Ana, que tinha herdado do Pai o sentido do rigor e que se opunha a gastos excessivos.




Mariazinha e António


Quando a Mariazinha tinha tinha 6 anos, entrou lá para casa, como criada, uma pessoa que haveria de ser mais tarde uma referência para todos nós: Maria da Conceição Raposo (a Bábá como veio a ser chamada mais tarde pelo meu irmão João) e uns anos depois entrou a Ana e a Maria dos Santos (tias da Jú) que foram alicerces do desenvolvimento de toda a família.

 Rezo a Deus pelas três que foram tão importantes para nós todos, com uma dedicação total e absoluta a uma família que não era a delas.




A Ana e a Bábá

A Ana e a Bábá


Com 7 anos, a Mariazinha foi mandada para o Colégio interno das irmãs Doroteias de Vila do Conde e tendo embora gostado imenso de lá andar e desenvolvido grandes amizades, com filhas da melhor sociedade do norte do País, sofreu bastante a rigidez de educação da altura, o frio, as exigências das madres.

Aprendeu tudo o que uma menina devia saber: pintar, bordar, fazer talha, estudou literatura inglesa, aprendeu bem o francês, mas não ficou com nenhum diploma e só depois mais tarde, com a sua perseverança e já depois do nascimento dos filhos, resolveu fazer a 4ª classe de adultos, juntamente com a sua grande amiga Maria Leonor Alçada que também tinha tido a mesma educação.

Mariazinha no Colégio

Nessa época a família Morais era feliz e próspera.

Família Morais



Adorava o Colégio, as amigas, as férias passadas em casa com o mano António e as amigas Barata (a Flávia e a Eugénia) e tinha uma vida fácil e feliz.
Mas nem tudo pode correr sempre bem.

Sua Mãe, tinha ido a um funeral e bebeu lá um copo de água que não devia estar muito própria.
Passados dias, adoeceu com um grande febrão e foi-lhe diagnosticada febre tifóide.
Nesse tempo não havia antibióticos e esta era uma doença mortal.

Chamaram a Mariazinha do Colégio que regressou a casa a tempo de ainda ver a sua Mãe viva e assistir ao 1º Grande Desgosto da sua vida.
A Avó Matos por quem sempre rezamos em pequenos, nasceu a 7 de Novembro de 1888 e morreu a 13 de Fevereiro de 1927 com apenas 38 anos.
Toda a minha vida, ouvi a Mãe falar-me, da falta imensa que a sua querida Mãe lhe fez, mas penso que foi este grande desgosto que a fez aos 12 anos crescer e com o coração apertado, começar a aprender que é preciso andar para a frente, enxugar as lágrimas e viver.


  No Colégio, chamavam-lhe o Sr. Doutor, pela sua voz rouca inconfundível, pelo seu nariz arrebitado e pela opinião acertada que sabia emitir sobre todos os assuntos.
   A fábrica e o armazém ficaram a cargo do Avô Morais e do Tio Matos, dois rapazinhos novos, sem grande experiência e que se viram a braços com uma fortuna que era mais fácil gastar, do que fazer evoluir. 
     









3 - A Juventude

O trágico acontecimento, da morte precoce da sua Mãe, marcou-a para sempre e teve enorme influência na sua maneira de ser: - uma pessoa forte em todas as circunstâncias, muito sensível em relação aos problemas dos outros mas nada piegas e um pouco seca, até.
Nos momentos mais dramáticos, nunca perdia o sangue frio e foi sempre capaz de tratar dos problemas práticos sem pestanejar.
Sentiu-se sozinha naquela casa, com as criadas, o Titó a chorar pela Mãe e o Avô Morais completamente perdido.
Todo este ambiente e a responsabilidade de dirigir uma casa, começaram a pesar demais, sobre a criança que a minha Mãe ainda era.
Pediu imenso ao seu Pai que a deixasse voltar para o Colégio e ele, que a adorava e que passou o resto da sua vida a adivinhar as vontades dos filhos, deixou-a ir ainda mais dois anos, para completar a sua educação de menina prendada.
Quantas vezes a ouvi dizer enquanto eu era pequena, mais crescidinha e até agora há pouco tempo: “Vocês nem sabem o bem que têm em ter o Pai e a Mãe vivos. Vocês nem sabem o que eu passei e o sofrimento que foi a minha adolescência. O que me valeu, foi o mimo imenso que recebi do meu Pai, a responsabilidade que sentia de me fazer forte para animar o Titó e a presença constante da Bábá, que na sua ignorância, me deu sempre o conforto de a saber fiel, amiga e totalmente dedicada à casa e a mim.”




A Bábá

A Bábá (que a tratou por “menina” toda a vida), começou desde logo a tomar as rédeas da casa e era tão exigente com ela própria, como com as outras empregadas.
Obrigava-as a levantarem-se às 5 da manhã, para terem tempo, como ela dizia, para fazerem todo o serviço.
Nos Invernos frios da Covilhã, para que a água não congelasse nos canos, deixava a torneira do tanque toda a noite a pingar e de manhã, partiam o gelo que se tinha formado e era aí que elas tinham que lavar a roupa.
Escondia o sabão e só o dava aos poucos, para que não se gastasse muito.
Tinha o sentido da economia exacerbado.
Tudo isto era feito com carinho e para proteger a casa que lhe tinha ficado a cargo e o património dos seus meninos adorados.

Lembro-me de quando era pequena a ouvir contar:
A Mãezinha e o Tio podiam subir para o berço por cordões de ouro, mas…..

Devemos à Bábá o ter sido o apoio lá de casa durante perto de 60 anos. Esqueceu a sua família e adoptou a nossa como sua. Nunca me lembro de ela ter férias e tenho impressão que no fim da vida, nem tinha ordenado.


Com o Pedro

A caminho da praia com os seus meninos

 












Era uma pessoa única e indescritível.
Deus a tenha perto de si.


Uma rapariguinha

A Mãe esteve no Colégio até aos 15 anos e depois, despediu-se das freiras, das amigas e dos estudos e veio fazer-se uma dona de casa, tomar conta do irmão e do Pai e assumir todas as responsabilidades.

Quando penso que ela tinha a idade que tem hoje a Isabelinha, até se me aperta o coração.

Refugiava-se na leitura que era o seu hobby preferido, pois nunca foi muito dada a trabalhos de mãos. Bordados, não era com ela e os quadros que pintou e os trabalhos em talha que fez, foram todos feitos enquanto esteve no Colégio.


Com a Miló e a Nelinha



Escrevia cartas enormes às madres e às amigas e a sua maior distracção era ir para casa das Baratas (Flávia e Eugénia) que eram da sua idade e para casa da Tia Amélia mulher do Ti Matos, que morava no andar de baixo e tomar conta das primas Miló e Nelinha, que eram pequeninas.


 


Habituou-se a viver sozinha. E toda a sua vida apesar de adorar o contacto com os outros, nunca se aborreceu sozinha.
Entretinha-se muito bem consigo própria, como ela dizia.

Foi neste ambiente que a minha Mãe cresceu e se tornou uma pessoa, com as qualidades de alma que mais tarde tivemos o privilégio de conhecer e eu, de ter como Mãe.
Tornou-se uma rapariga elegante e como tinha um Pai generosíssimo, em cada princípio de estação mandava-a para Lisboa, para comprar as “toillettes”, nos costureiros da moda.









A Maria da Luz novinha


Na Serra


Na praia

Na Quinta











                                                                           
Com 18 anos
                        

Vestia-se com imenso gosto e andava sempre “toda janota” (como dizia mais tarde o meu Pai).
Teve vários pretendentes, mas nenhum namoro a sério.
O eleito do seu coração iria aparecer, numas férias na Figueira da Foz, no Verão de 1934, tinha ela 20 anos.
Pediu-lhe para dançar, numa festa no Casino e a Mãe contava que ele, de poucas falas, pouco lhe disse, mas comentou: “A menina dança muito bem!
A partir daí o meu querido Pai, de quem tenho tantas saudades, nunca mais a perdeu de vista.
Chamava-lhe “o pintainho rouco” e com a sua calma e sem dar nas vistas, começou a aparecer nos locais que ela frequentava e a interessar-se pela sua conversa aberta e desinibida e por esta menina engraçada e inteligente.
Chamava-se Amadeu da Silva Leitão.
Nascido a 18 de Julho de 1908 na Freguesia de São Pedro da Covilhã, era filho de João Narcizo Leitão, comerciante na Covilhã, e de Aurora Henriques da Silva Leitão.


A família do meu Pai

 
João Leitão
O Avô João Leitão, nascido a 11 de Fevereiro de 1883, era filho de Sebastião António Narcizo Leitão e de Teresa de Jesus, gente humilde duma terra perto de Pinhel – o Sorval, onde nunca chegamos a ir, nem nós, nem sequer a Avó Aurora.
Nunca conhecemos a sua família.
Veio para a Covilhã em pequeno, para “fazer pela vida”.
Começou a trabalhar, como ajudante, numa mercearia.
Esperto e trabalhador, foi-se afirmando, passou a empregado da confiança do patrão, depois a sócio e mais tarde, depois de ter juntado o dinheiro que foi amealhando, por imposição do futuro sogro e antes de se casar, estabeleceu-se por conta própria.
Transformou-se numa pessoa que mais tarde foi muito respeitada na Covilhã.
Foi Presidente da Associação dos Comerciantes, fez parte da Mesa da Misericórdia e outros cargos que não sei nem eu, nem os meus irmãos e que já não temos a quem perguntar.
Tinha grandes qualidades humanas e era um homem de grande integridade e honestidade.
Havia umas palavras suas que ficaram no ouvido de todos os seus netos: “trabalhinho...trabalhinho...”.
Em dada altura da sua vida e na altura da 2ª Grande Guerra (quando eu nasci) alguém lhe propôs fazer uma sociedade ligada à indústria de lanifícios e ele aceitou. Alguns meses mais tarde, chegou a casa e disse para a mulher: “Ó menina, vou sair da sociedade. Aquilo ganha-se muito dinheiro e não pode ser negócio sério!!”. E… saiu e dedicou-se novamente ao seu negócio “sério” que ele bem conhecia.
Durante os desmandos da 1ª República, e durante a 1ª Grande Guerra (Maio de 1915), foi assaltado, roubaram-lhe tudo, mas ele não perdeu a calma e recomeçou do zero o seu negócio.
Apaixonou-se pela nossa querida Avó Aurora e namorou-a, indo de bicicleta para debaixo da sua janela.
O Pai da Avó Aurora, não gostou nada do namoro, pois todas as outras 4 filhas namoravam gente da sua classe social e este era um simples empregado de mercearia.
Mal ele sabia que o Avô Leitão havia de ser o seu genro mais querido, o que conseguiu construir a casa mais sólida e o que valeu e ajudou depois mais tarde, em grandes aflições, vários membros da família.
Lembro-me dele como um velhinho de cabelos brancos e olhos claros que espirrava sempre 17 vezes seguidas, ficando com os olhos a brilhar, com os bolsos cheios de rebuçados para os netos e o Avô mais querido que se pode ter.
Adorava os netos sobretudo o mais velho, o meu irmão João. Dizia muitas vezes: “Este pequeno é muito esperto. Há-de ser Ministro e… das Finanças!”. Mal ele sabia que isso anos mais tarde iria acontecer, só que ele já não pôde ver.
Tinha também uma enorme ternura pelos netos (Rui e Jorge) que ficaram na sua casa a viver depois da morte da Tia Marília e assumiu completamente a sua educação.
Apanhou uma enorme fúria com a minha Mãe, quando ela deixou a Tété ir para Inglaterra, para um Curso de Verão, quando tinha 14 anos. Fechou-se na casa de banho e nem sequer se despediu dela. E dizia: “Tão maluca é a filha como a Mãe.
Tanto eu como a minha irmã Tété, vivemos muito com ele quando viemos para Lisboa estudar, para uma casa que ele tinha montado cá, para a sua filha Ema acompanhar os sobrinhos que estavam em Lisboa. Lembro-me dele um pouco surdo, a querer meter-se nas conversas quando já iam a meio. Para não lhe explicarmos mais nada dizíamos “foi o Jerónimo Dias Freire que morreu” . Ele ficava a matutar naquilo e a cena repetia-se dezenas ou centenas de vezes e ele acreditava sempre e deixava-nos continuar a nossa conversa.
Lembro-me da sua rabugice e do que se zangou connosco uma vez que resolvemos ir passar o Carnaval à Covilhã, já eu tinha 20 anos, de boleia com um colega meu. Veio para a varanda e só dizia “Como é que as minhas netas se metem num carro com aquele maluco que de certeza nem sabe guiar… Se fosse Pai delas eu não deixava.” Parece-me que nunca lhe chegamos a contar que ele tinha razão, pois tivemos um desastre enorme numa curva da Estação de Mora e não morremos por acaso.
A Tété adorava despentear-lhe o seu cabelo branco e depois penteá-lo com um pente. Ele ria-se e pacientemente deixava-a fazer como ela queria, com franja, sem franja, para um lado ou para o outro…
Chamávamos-lhe nessa altura com muita ternura “velhinho de 100 anos” e ele achava-nos graça.
Morreu de um ataque de coração de repente com 80 anos sem dar trabalho a ninguém. Morreu como viveu. Discretamente.



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Francisca Aurora

Francisca Aurora Henriques da Silva, nascida a 14 de Abril de 1883, era a 2ª filha de Francisco da Cruz Henriques da Silva, conceituado industrial da Covilhã e de Rosa Carvalho e Silva.
Tinha 4 irmãs e um irmão:
-   Tia Amélia – que casou com o Tio Zé Bicho e foi Mãe da Manuela e Avó da Guida e da Teresinha Bicho.
-   Tia Lucinda – que casou com o Tio ...Antunes e foi Mãe da Conceição Aibéu e do Fernando Antunes casado com a Prima Regina Rosa e Avó do Alexandre e da Guidinha Aibéu, da Regina, do Manel, do João e do Fernandinho Antunes.
-   Tia Etelvina que casou com o Tio...Baptista e que não tiveram filhos.

-   Tia Izilda que casou com o Tio...Franklin e teve um filho.
-   Tio Francisco Miguel que casou com a Tia Raquel e foi Pai do João José. Este irmão da Avó Aurora foi combatente na 1ª Grande Guerra e dado como desaparecido na Batalha de “La Lys”. Toda a família andou de luto, mas afinal não tinha morrido.


As irmãs da Avó Aurora e algumas netas e sobrinhas
       
Lembro-me de todas as irmãs da Avó, menos da Tia Amélia que morreu antes de eu nascer. Eram para mim todas parecidas, sempre vestidas de preto, pois todas ficaram viúvas e morreram todas de idade avançada.
Quando se juntavam, passavam horas a contar coisas da sua infância, faziam muita troça da Tia Etelvina e riam e riam sem parar, connosco todos espantados com aquela risota.
A Avó Aurora era uma pessoa muito especial. Mimada até ao extremo pelo marido que sempre a tratou por “menina”, levou uma vida tranquila e sem se incomodar com nada.

Os Avós com a Isabel
                                  
                                                                
Os Avós e o Avô A. Morais com os netos















Aos 40 anos, entregou o governo da casa a sua filha Ema e nunca mais se preocupou com nada, a não ser tratar de si própria.
Todas as semanas ia ao cabeleireiro, arranjar o cabelo e as unhas, que trazia sempre impecáveis.
 Adorava jogar à canasta e fazer “paciências” e fazia “crochets” lindos.
Lembro-me sempre dela, sentada na mesa de camilha a fazer “crochet”, a lanchar uns lanches óptimos que havia sempre na sua casa ou a fazer “paciências”.
Adorava jogar na roleta do casino da Figueira da Foz, sentada ao lado do croupier a jogar nas dúzias.
Quando o marido não lhe fazia as vontades, fazia umas enormes fitas, simulava uns achaques e umas dores no peito e ele, que a adorava, ficava sempre numa aflição e foi nesta conversa até ao fim. 
                                                                               
A Avó Aurora teve uma vida fácil, mas enormes desgostos.

Viu morrer a sua 1ª filha muito nova, viu morrer o marido e a 2ª filha também morreu antes dela.
O Avô João Leitão e a Avó Aurora casaram no dia 8 de Agosto de 1907 e foram passar a Lua de mel ao Buçaco.
Contavam, que tinham levado 2 contos, estiveram instalados no Grande Hotel durante 3 semanas e ainda trouxeram dinheiro.

Tiveram 3 filhos:
- Amadeu
- Marília (Mãe do Rui e do Jorge)
- Ema (a nossa querida Tia Ema que ficou solteira e foi a Tia que todas as famílias deviam ter).

A Tia Marília que morreu de uma operação mal feita, com 37 anos, deixando 2 filhos pequeninos, era a filha preferida do Avô Leitão.


Tia Ema, Mâe e Tia Marília (da esq. para a dta)


Bonita, bondosa, prendada, mas muito medrosa e agarrada aos Pais.
Não me lembro dela, pois tinha 3 anos quando morreu, mas lembro-me de sempre ouvir falar dela e das suas enormes qualidades.
Tudo o que fazia tinha de ser perfeito.
Bordava muito bem, cozinhava lindamente e era uma Mãe extremosa.
Viveu pouco tempo com os filhos, coitada, e fez-lhes uma falta enorme, pois por mais mimados que eles tenham sido pelos Avós e pela Tia Ema, não há amor que substitua a Mãe.
Quando ela morreu, o Avô Leitão, mandou construir um jazigo no cemitério da Covilhã onde, neste momento, está toda a família Leitão:

- o Avô Leitão
- a Avó Aurora
- a Tia Marília
- a Tia Ema
- o meu Pai
- a minha Mãe

A Tia Ema, minha madrinha, foi a autêntica tia solteira dedicada aos sobrinhos, sobretudo aos pequeninos que ficaram a seu cargo, com a morte precoce da irmã.
Habilidosa, boa cozinheira e tricotadeira, fez um enxoval enorme, de toalhas e lençóis de linho e fartou-se de fazer casaquinhos e camisolas, para todos os sobrinhos e depois, mais tarde, para os sobrinhos netos.
Era muito mais despachada do que a irmã, mas não era tão perfeita.
Foi o amparo dos Pais e tentou ser a Mãe, que os primos Rui e Jorge, não tiveram.
Tia Ema comigo ao colo

Foi uma pessoa muito presente em todas as alegrias e desgostos da nossa família.
Todos nós contávamos com ela.
Quando nasceram os meus sobrinhos e mesmo quando nasceu a minha filha Marta, era a primeira pessoa a aparecer na maternidade.
Não para nos visitar, mas para estar todo o dia com cada uma de nós, ou com as minhas cunhadas.
Chegava logo de manhã com o seu “tricot” e ali ficava todo o dia.
Que bom que era!


A Tia Ema comandando os meus sobrinhos no baptizado da Marta

                                        

Foi em casa dela, em Lisboa, que tanto eu como a minha irmã Tété vivemos, enquanto estivemos na faculdade.

Tomava conta de nós, mas não se intrometia na nossa vida de raparigas novas.
Foi companheira e uma grande amiga.

Morreu com grande sofrimento, em Novembro de 1976, quando a minha filha Rita estava para nascer e ainda antes da Avó Aurora.
Lembro-me de a ir visitar ao IPO e ela me dizer: “Já não vejo essa criança”.


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Amadeu Leitão
O Amadeu Leitão em pequeno, era um “tocozinho”, como se dizia na Covilhã e como se pode ver na fotografia.
Foi mandado muito pequenito, com apenas 7 anos de idade, para um Colégio de Padres em Liège – o Colégio La Salle.
Sem saber falar francês, foi de combóio, entregue a um senhor amigo do Avô Leitão, para um mundo completamente desconhecido e para um País de usos diferentes.
Nessa época, não havia as comunicações rápidas de hoje, pelo que é difícil imaginar a coragem destes Pais, de mandarem os filhos pequenos para tão longe, sem poderem comunicar com eles, senão através de cartas de tempos a tempos.
Esta experiência, deve ter marcado para sempre o caracter que veio a manifestar mais tarde: introvertido, tímido e rabugento…
Foi, concerteza, uma má experiência mas que, por outro lado, lhe abriu horizontes e lhe deu mais tarde, o gosto pelas viagens e por conhecer novos locais.
Voltou e foi para Coimbra, onde viveu a vida Académica, mais ou menos desinteressadamente e onde tirou o seu Curso de Medicina.

Namoro e casamento

Quando o Amadeu Leitão voltou à Covilhã era um galã.
Bonito, bem vestido, com um canudo nas mãos, era o ídolo de todas as meninas casadoiras.
Chamavam-lhe o Clark, pois estavam nessa altura em voga os filmes do Clark Gable.

O Clark

E as meninas faziam rodas à volta dele e cantavam:

Olha o Clark, olha o Clark, olha o Clark
O que está a fazer lá dentro
Está-se a pentear, está-se a pentear,
Pró dia do casamento”...

Mas ele, que adorava a pândega e andar com os amigos em grandes farras, encantou-se com a menina Morais, 6 anos mais nova e em quem ele pressentiu uma companheira para lhe animar a vida, uma Mãe extremosa, uma “máquina de ideias” (como lhe chamaria muitas vezes), um complemento alegre e extrovertido, oposto ao seu feitio bisonho e misantropo.

O Dr. Amadeu "catrapiscando" a Mariazinha

                                          
O namoro foi curto pois o Dr. Amadeu era impaciente e gostava das coisas resolvidas rapidamente.
Montou o consultório onde, ainda recém formado, começou a diagnosticar as primeiras doenças sem saber muito bem o que estava a fazer, pois nessa altura os médicos mal acabavam de se formar, começavam imediatamente a exercer, sem fazer qualquer estágio.
Resolveram que o melhor, era ficarem a viver em casa do Avô Morais, pois já estava tudo montado e pouco era preciso comprarem.
O Avô Leitão ofereceu-lhes uma mobília nova, em contraplacado, que era a grande moda da época.
Tinha um espelho redondo, um chiffonier, um banco forrado a cor de rosa... Esta mobília que ainda existe e que está outra vez na moda, viu nascer nós os cinco.
O Avô Morais que vivia sozinho com a filha, pois o Titó estava nessa altura a estudar em Lisboa, aceitou com toda a generosidade do seu coração que o jovem casal se instalasse na sua casa.



O Avô A. Morais com a sua menina ainda solteira

Retirou-se para o seu quarto e com a sua abnegação deixou até que as criadas, ao telefone, passassem a dizer que falava de casa do Dr. Amadeu Leitão.
Reduziu-se a um papel apagado e não interferiu nunca em nada.
Foi um exemplo de educação e descrição.

Como não teve muito jeito para desenvolver o negócio do sogro, dedicou-se à Quinta onde se esmerava em cultivar as espécies mais raras e onde todos os dias ia a pé desde a Covilhã.

Foi ele que nos proporcionou uma infância recheada de natureza e de trabalhos de campo: ajudar nas vindimas, assistir na adega ao pisoteio das uvas, provar o mosto, ver fazer o azeite e andar na roda do lagar, provar os pêssegos “J. H. Halle”, as uvas de mesa “Moscatel”, “Alphonse Lavallé”, e as deliciosas “Dedo de Dama”, comer o queijo fresco, fresquíssimo, oferecido pela D. Maria da Quinta da Abadia e um sem número de recordações que davam para encher várias páginas.

Foi com ele que passamos, em pequenos, vários fim de ano, quando os Pais iam a “Reveillons”, a ouvir a meia-noite na rádio e a beber uma gota de champanhe.
Foi ele que tomou conta de nós e esteve sempre presente a dirigir a casa sempre que os Pais iam viajar.


                                                   Avô Morais tomando conta...




E a Mãe podia ir descansadinha pois com ele e com a sua serenidade tudo corria bem.

A memória que guardo dele é a de um avô muito amigo (eu era a sua neta preferida) sempre presente, mas muito discreto e reservado.









No dia do pedido de casamento, houve um bonito jantar para toda a família Leitão e foi preciso a Mãe dizer ao Pai para lhe dar o anel que trazia no bolso, pois ele, não ligava muito a essas “parrachisses”...
E foi assim toda a vida.
Ela convidava, adorava ter a casa cheia de gente, de fazer jantares, almoços e lanches, na Quinta e na Covilhã e ele pachorrentamente “aturava os fretes”.

Casaram no dia 12 de Fevereiro de 1936.
O copo de água foi servido pela “Pastelaria Marques” de Lisboa, em casa do Avô Morais.
As fotografias foram tiradas no terraço, pois o Inverno permitiu um dia lindo e sem frio, o que era raro nesta altura do ano na Covilhã.
 


Casamento




















Como não tinham muito dinheiro, resolveram ir passar a Lua de Mel para a Quinta.
E lá foram, com o Zé Lourenço que tinha sido chauffeur do Avô Manuel Jerónimo de Matos e que nesta altura já tinha um carro de aluguer (espécie de Táxi).
Mas... e havia de ser sempre assim, logo ao 3º dia, apareceu lá a família Leitão toda para almoçar.
Tiveram que combinar com a Bábá, na Covilhã, e mandar vir o almoço pelo Zé Lourenço.