Outras actividades
Com a saída dos filhos e apesar de continuar com um batalhão de empregadas para dirigir e a receber imensa gente, a Mãe sentiu-se um pouco desocupada.
Como católica fervorosa assistia à sua missa diária, tinha a devoção das 1ªs sexta feiras e dos 1ºs sábados, fazia parte de todos os movimentos católicos que surgiram na Covilhã (Conferência de São Vicente de Paulo, LIAM, Noelistas, chás de caridade, etc, etc.).
Com o início do movimento da Acção Católica, aderiu à Liga Independente Católica Feminina (LICF), entusiasmou-se com o potencial de convivência que isso lhe proporcionava (coisa de que sempre gostou muito), com o bem que podia fazer a muita gente no aspecto moral e com a organização do trabalho em equipa, do qual foi grande dinamizadora.
Passou a fazer lá em casa dezenas de reuniões, acompanhou e orientou muitas pessoas, passou noites até às tantas, a escrever cartas às filiadas, ouviu muitos desabafos, enfim, penso que fez muito o bem.
Teve como orientador espiritual o Dr. Mendes Fernandes, de quem se tornou grande amiga.
| Semana de estudos em Fátima - Maio de 1962 |
Chegou a Presidente Diocesana e nessa função foi discursar uma vez em Fátima (não me lembro qual era o tema) a que nós todos fomos assistir.
Maria da Luz
A sua doença
O Avô Morais morreu no IPO em Lisboa no dia 3 de Dezembro de 1962.
A Mãe teve um enorme desgosto pelo desaparecimento do seu querido Pai e com o qual tinha vivido toda a sua vida.
Este acontecimento deu-se quando a Mãe estava na mudança de idade (menopausa) e a partir daqui, começou a ter depressões, que seriam um fardo e uma constante no resto da sua vida.
Esta doença que ela nunca aceitou, foi o seu calvário.
Cada vez que ficava em baixo (isto repetia-se ciclicamente pelo menos uma vez por ano) ficava outra pessoa.
Ela que adorava conviver, isolava-se; ela que adorava fazer tudo a toda a gente, sentia-se incapaz; ela que tinha sempre um bom humor e uma enorme alegria que sabia transmitir a todos que a rodeavam ficava triste, introvertida e só era capaz de falar na sua doença. Ficava virada só para si própria.
Transformava-se na antítese do que era a sua personalidade. Isso irritava-a profundamente e sofreu muito com isso.
Nós habituámo-nos às suas variações de humor, mas nunca aprendemos bem a lidar com esta doença que é muito complicada, tanto para os próprios como para os que com eles convivem.
Enquanto o Pai foi vivo, com toda a sua calma e serenidade e a ajuda da Luisa, lá foram passando estas fases um com o outro, sem que nós que estávamos longe, assistíssemos muito. Rareavam os telefonemas, rareavam as cartas, sentíamos que ela não estava bem até pela maneira como atendia o telefone, sem a natural exuberância a que estávamos habituados, mas a responsabilidade era do Pai.
Depois de ficar a nosso cargo, sentimos mais de perto a dificuldade em a ajudar a ultrapassar estas fases.
Os filhos fazem a sua vida
O João formou-se em Direito, em 1960, conheceu a Nena e casaram no dia 25 de Março de 1963.
A Nena numa das 1ªs vezes que foi à Covilhã
Casamento do João
O Pedro formou-se em Engenharia Electrotécnica em 1962, conheceu a Graça e casaram no dia 12 de Setembro de 1963.
| Casamento do Pedro |
Eu formei-me em Agronomia em 1966, mas fui a última a casar.
Conheci o Jorge em 1971, já estava a trabalhar, e casei no dia 2 de Junho de 1973.
| O meu casamento |
A Tété quando ainda estava no 4º Ano de Direito, conheceu o Miguel e embora o Pai sempre tivesse dito que o curso era uma enxada importante que devíamos pôr em 1º lugar, convenceu-o a deixá-la casar.
Casou no dia 7 de Setembro de 1968 e nunca chegou a acabar o curso. Ficaram a faltar-lhe 5 cadeiras.
| Casamento da Tété |
A Isabel fez o curso de enfermagem.
| Recebendo a touca |
Casou com o João, seu amigo de infância no dia 11 de Dezembro de 1971.
| Casamento da Isabel |
E foram estes os anos melhores da nossa família.
Todos éramos amigos.
A Mãe e o Pai apesar de continuarem a viver na Covilhã, vinham dezenas de vezes a Lisboa.
Ora vinham para a Residência Embaixador e passavam uns dias connosco, ora vinham para casa de um dos meus irmãos.
Vinham no Natal, vinham para os nossos aniversários, vinham aos nascimentos dos netos, aos baptizados, às comunhões e todos nos reuníamos a cada acontecimento.
Em casa do Pedro
Também a casa da Covilhã e a Quinta continuaram sempre abertos a todos. Lá passamos várias Páscoas com uma quantidade enorme de crianças e adultos, com a Mãe a dirigir a recepção de toda a gente e sempre com a sua boa disposição, a sua arte de bem receber, o nunca dizer que estava cansada, uma energia inexcedível.
| Páscoa na Covilhã |
No mês de Setembro, começou a receber os netos mais velhos na Quinta e também eles criaram como os seus Pais e Tios, a mesma amizade por aqueles cantos e recantos e a sentir que bom que era estar lá.
O Pai e a Mãe estavam muitas vezes sozinhos, mas muitas vezes rodeados de muita gente.
Cada vez que vinham a Lisboa chegavam sempre carregados de coisas para cada uma das casas.
Eram as empadas, as queijadas, o doce, as filhoses, as morcelas e o presunto da Manuela, o azeite, as batatas, os biscoitos, um nunca acabar de mantimentos.
O Pai reclamava sempre: “esta mulher só com uma camioneta...”
Fomos muitas vezes todos jantar com eles a restaurantes, quer em Lisboa quer em Cascais e claro o Doutorzinho é que fazia as despesas da festa.
O Pai dizia que as frases preferidas dela eram: “Ó Amadeu dá lá...Ó Amadeu paga lá...”
E o seu grande coração teve muito mais gente de quem gostar.
Começaram a nascer os netos.
O primeiro, filho do João, foi o Miguel que nasceu a 6 de Fevereiro de 1964. Não se envergonhava de dizer, mais tarde, que foi sempre o seu neto preferido. Foi ele que a fez avó e que lhe deu sempre enormes alegrias.
E nasceu depois o Paulo, o Pi, o João, a Maria e a Rita.
Estes 6 netos filhos do João e do Pedro foram os que apanharam ainda a Avó com mais genica, os que aproveitaram melhor a Quinta e os que a conheceram melhor.
Por eles teve sempre uma ternura especial.
| Com os netos em Setúbal - 1970 |
Vieram ainda mais quinze: o Gonçalo, a Tété, a Joana, o Diogo, a Inês, a Marta, o Rodrigo, o Kiko, o Filipe, a Rita, a Maria, a Madalena, a Kika, a Mariana e por fim a Isabelinha, filha da Isabel que nasceu um pouco desgarrada dos outros todos e que havia de ser “a sua mais pequenina” por quem teve um carinho muito especial.
| 1974 |
| 1975 |
| 1976 |
| 1979 |
Gostava de todos, mas dizia muitas vezes: “Dos filhos gosto de todos igual, mas dos netos não me envergonho de dizer que tenho preferências.” Foi mudando as suas preferências ao longo da vida, de acordo com as circunstâncias e da convivência que tinha com eles.
Acho que todos os netos ficaram com uma óptima recordação desta Avó interveniente, mandona e que tão depressa tinha um elogio para dar, como tinha se fosse necessário, a crítica e o raspanete na ponta da língua.
Teve grande intimidade com a maioria dos netos.
A revolução do 25 de Abril que modificou completamente o nosso País, veio trazer a todos nós uma grande perplexidade por todas as coisas que ouvíamos e víamos considerar como certas e que eram ao contrário de tudo o que havíamos pensado e vivido.
O Pai, mais conservador, estarrecia-se com a profusão de informação e ficava indignado de ver, na televisão, toda a gente a perorar e a dar a sua opinião, sobretudo pessoas que ele achava que não deviam emitir opinião nenhuma.
Costumava dizer: “O ideal era uma Monarquia Absoluta com um Rei Absoluto onde houvesse apenas um jornal que apenas saísse uma vez por ano e que só trouxesse uma notícia que seria assim: “Sua Alteza Real passa bem em sua Real Majestade” ”...
A Mãe, como católica praticante e a noção mais abrangente dos direitos dos outros e sobretudo a sua noção muito viva de amor ao próximo, era menos crítica e por vezes até um bocadinho democrata. Achava que o 25 de Abril, apesar de ter sido muito mau para muitos amigos seus e isso incomodava-a bastante, tinha trazido, no entanto, algumas coisas boas. Com a sua maneira de ser positiva, nunca via “os buracos do queijo”, via sempre o “queijo”.
A única consequência directa que este acontecimento teve na nossa família, foi a ida da Tété com toda a sua família, viver para Madrid.
O Pai com o seu sentido prático, sem medos e com todo o desprezo que tinha pela “tropa fandanga”, organizou a saída do Miguel que tinha um mandado de captura do Copcon, com toda a calma e pela Fronteira de Vilar Formoso.
Foram, ele e a Mãe, levá-lo de carro a Fuentes de Oñoro, passando pelos guardas da fronteira e mostrando, como sendo do Miguel, o passaporte do Tio Amável, que amavelmente não se importou de correr esse risco e se prestou a ajudar os amigos.
Era um grande amigo que os meus Pais tinham. O santo e compadre Amável....
Custou-lhes bastante ver a sua Tarequinha, como o Pai carinhosamente chamava à Tété, ir exilada para Madrid, sobretudo durante os anos em que eles não puderam entrar em Portugal.
Depois, as coisas foram-se graças a Deus acalmando e até gostaram de ter uma casa acolhedora em Madrid, onde iam passar algumas temporadas.
E foram 14 anos de separação...
Com 70 anos de idade, em 1978, o Pai reformou-se e passou a estar mais tempo em casa.
Tinham muitos convites para os casinos da Figueira da Foz e de Vila Moura que lhes davam direito a estar instalados no Grande Hotel da Figueira e no D. Pedro no Algarve, aproveitaram muitas vezes e nós fomos várias vezes ter com eles.
“Annus Horribilis” (1983/1985)
Tudo corria bem, os filhos iam-se afirmando e progredindo cada um na sua profissão, os netos iam crescendo e éramos uma família unida e feliz.
Em 1984 adoeceu o Titó.
O Pedro, foi talvez de nós todos, o que mais se envolveu na doença do Tio de quem era muito amigo.
Telefonava vezes sem conta para a Covilhã a dizer à Mãe que era melhor vir para Lisboa e ia visitá-lo sempre que podia.
Lembro-me do fim de Ano de 1983 que fomos passar com os miúdos, ainda pequenos, a casa do Pedro e em que ele insistiu imenso com o Titó para ir também.
A Graça tinha feito um sofá novo com almofadas novas e o Pedro com a ânsia de que o Titó estivesse confortável, amachucava as almofadas todas para lhas pôr nas costas e de lado. Mas ele, coitado, já não conseguia sentir-se bem.
Nem sei se terá achado muita graça às brincadeiras das crianças que indiferentes ao mal estar do Tio festejavam o Ano Novo, com umas cornetas e cada um com um barrete na cabeça que a Graça lhes tinha preparado.
Morreu no dia 21 de Janeiro de 1984.
| O Titó |
No dia 3 de Abril desse mesmo ano, o Pedro, que tinha ido à América em serviço da empresa onde estava a trabalhar (a Control Data), telefonou à Graça a dar os parabéns pelos seus anos e disse-lhe que se sentia um bocado enjoado.
Quando voltou e como o enjoo não lhe passava, resolveu ir fazer uns exames médicos. Ficamos logo todos bastante apreensivos pois o Pedro tinha sido operado a um sinal maligno nas costas, há cerca de nove anos atrás.
Foi tão doloroso tudo o que se seguiu que ainda hoje, passados quase 20 anos, tenho dificuldade em escrever sobre este acontecimento que ensombrou para sempre a nossa família.
Quem, como eu, privou de perto com o Pedro sabe do que estou a falar.
Era uma pessoa excepcional.
Tinha herdado da Mãe o dom da hospitalidade, do acolhimento, do amor ao próximo.
Era um filho extremoso, um marido exemplar, um Pai meigo e atento, um grande amigo dos seus amigos, com um coração do tamanho do mundo e era, para mim, o meu irmão querido, meu grande amigo e confidente, único e insubstituível.
Era, sem dúvida o melhor de nós todos.
A Mãe, com a sua coragem, veio para Lisboa tomar conta da casa dele e dos seus cinco filhos, enquanto ele esteve na América com o João, a Graça e a Nini Pardal, num dos melhores Hospitais de Oncologia.
Quem tem filhos pode imaginar o que ia dentro do seu coração.
Ela, no entanto, como sempre acontecia em situações semelhantes, continuou a resolver os problemas práticos do dia a dia, empenhando-se em que nada faltasse aos seus netos que estavam, todos, na adolescência e com os problemas próprios dessas idades.
Não me lembro de a ver chorar.
O Pedro deixou-nos no dia 2 de Julho de 1984, dia em que por coincidência, fazia 15 anos o seu 4º filho, o Gonçalo.
Tinha 44 anos.
E a nossa família ficou ferida para sempre.
Não há um único dia em que não me lembre deste meu querido irmão que tanta falta nos faz.
Sempre que posso, falo dele e conto coisas a seu respeito, às suas noras que não o conheceram, às minhas filhas que eram muito pequenas e a todos que gostariam de o ter conhecido.
| Pedro |
No ano seguinte, adoeceu o Tonicho filho mais velho do Titó e da Tia Esther, também com a mesma doença grave e morreu no dia 27 de Abril de 1985 com apenas 35 anos.
Estes dois anos foram na verdade para a nossa família “Annus horribilis”.
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