O trágico acontecimento, da morte precoce da sua Mãe, marcou-a para sempre e teve enorme influência na sua maneira de ser: - uma pessoa forte em todas as circunstâncias, muito sensível em relação aos problemas dos outros mas nada piegas e um pouco seca, até.
Nos momentos mais dramáticos, nunca perdia o sangue frio e foi sempre capaz de tratar dos problemas práticos sem pestanejar.
Sentiu-se sozinha naquela casa, com as criadas, o Titó a chorar pela Mãe e o Avô Morais completamente perdido.
Todo este ambiente e a responsabilidade de dirigir uma casa, começaram a pesar demais, sobre a criança que a minha Mãe ainda era.
Pediu imenso ao seu Pai que a deixasse voltar para o Colégio e ele, que a adorava e que passou o resto da sua vida a adivinhar as vontades dos filhos, deixou-a ir ainda mais dois anos, para completar a sua educação de menina prendada.
Quantas vezes a ouvi dizer enquanto eu era pequena, mais crescidinha e até agora há pouco tempo: “Vocês nem sabem o bem que têm em ter o Pai e a Mãe vivos. Vocês nem sabem o que eu passei e o sofrimento que foi a minha adolescência. O que me valeu, foi o mimo imenso que recebi do meu Pai, a responsabilidade que sentia de me fazer forte para animar o Titó e a presença constante da Bábá, que na sua ignorância, me deu sempre o conforto de a saber fiel, amiga e totalmente dedicada à casa e a mim.”
A Bábá
A Bábá (que a tratou por “menina” toda a vida), começou desde logo a tomar as rédeas da casa e era tão exigente com ela própria, como com as outras empregadas.
Obrigava-as a levantarem-se às 5 da manhã, para terem tempo, como ela dizia, para fazerem todo o serviço.
Nos Invernos frios da Covilhã, para que a água não congelasse nos canos, deixava a torneira do tanque toda a noite a pingar e de manhã, partiam o gelo que se tinha formado e era aí que elas tinham que lavar a roupa.
Escondia o sabão e só o dava aos poucos, para que não se gastasse muito.
Tinha o sentido da economia exacerbado.
Tudo isto era feito com carinho e para proteger a casa que lhe tinha ficado a cargo e o património dos seus meninos adorados.
Lembro-me de quando era pequena a ouvir contar:
“A Mãezinha e o Tio podiam subir para o berço por cordões de ouro, mas…..”
Devemos à Bábá o ter sido o apoio lá de casa durante perto de 60 anos. Esqueceu a sua família e adoptou a nossa como sua. Nunca me lembro de ela ter férias e tenho impressão que no fim da vida, nem tinha ordenado.
Com o Pedro |
A caminho da praia com os seus meninos |
Era uma pessoa única e indescritível.
Deus a tenha perto de si.
Uma rapariguinha
A Mãe esteve no Colégio até aos 15 anos e depois, despediu-se das freiras, das amigas e dos estudos e veio fazer-se uma dona de casa, tomar conta do irmão e do Pai e assumir todas as responsabilidades.
Quando penso que ela tinha a idade que tem hoje a Isabelinha, até se me aperta o coração.
Refugiava-se na leitura que era o seu hobby preferido, pois nunca foi muito dada a trabalhos de mãos. Bordados, não era com ela e os quadros que pintou e os trabalhos em talha que fez, foram todos feitos enquanto esteve no Colégio.
Com a Miló e a Nelinha |
Escrevia cartas enormes às madres e às amigas e a sua maior distracção era ir para casa das Baratas (Flávia e Eugénia) que eram da sua idade e para casa da Tia Amélia mulher do Ti Matos, que morava no andar de baixo e tomar conta das primas Miló e Nelinha, que eram pequeninas.
Habituou-se a viver sozinha. E toda a sua vida apesar de adorar o contacto com os outros, nunca se aborreceu sozinha.
Entretinha-se muito bem consigo própria, como ela dizia.
Entretinha-se muito bem consigo própria, como ela dizia.
Foi neste ambiente que a minha Mãe cresceu e se tornou uma pessoa, com as qualidades de alma que mais tarde tivemos o privilégio de conhecer e eu, de ter como Mãe.
Tornou-se uma rapariga elegante e como tinha um Pai generosíssimo, em cada princípio de estação mandava-a para Lisboa, para comprar as “toillettes”, nos costureiros da moda.
A Maria da Luz novinha
Na Serra |
Na praia |
Na Quinta |
Com 18 anos |
Vestia-se com imenso gosto e andava sempre “toda janota” (como dizia mais tarde o meu Pai).
Teve vários pretendentes, mas nenhum namoro a sério.
O eleito do seu coração iria aparecer, numas férias na Figueira da Foz, no Verão de 1934, tinha ela 20 anos.
Pediu-lhe para dançar, numa festa no Casino e a Mãe contava que ele, de poucas falas, pouco lhe disse, mas comentou: “A menina dança muito bem!”
A partir daí o meu querido Pai, de quem tenho tantas saudades, nunca mais a perdeu de vista.
Chamava-lhe “o pintainho rouco” e com a sua calma e sem dar nas vistas, começou a aparecer nos locais que ela frequentava e a interessar-se pela sua conversa aberta e desinibida e por esta menina engraçada e inteligente.
Chamava-se Amadeu da Silva Leitão.
Nascido a 18 de Julho de 1908 na Freguesia de São Pedro da Covilhã, era filho de João Narcizo Leitão, comerciante na Covilhã, e de Aurora Henriques da Silva Leitão.
A família do meu Pai
O Avô João Leitão, nascido a 11 de Fevereiro de 1883, era filho de Sebastião António Narcizo Leitão e de Teresa de Jesus, gente humilde duma terra perto de Pinhel – o Sorval, onde nunca chegamos a ir, nem nós, nem sequer a Avó Aurora.
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João Leitão |
Nunca conhecemos a sua família.
Veio para a Covilhã em pequeno, para “fazer pela vida”.
Começou a trabalhar, como ajudante, numa mercearia.
Esperto e trabalhador, foi-se afirmando, passou a empregado da confiança do patrão, depois a sócio e mais tarde, depois de ter juntado o dinheiro que foi amealhando, por imposição do futuro sogro e antes de se casar, estabeleceu-se por conta própria.
Transformou-se numa pessoa que mais tarde foi muito respeitada na Covilhã.
Foi Presidente da Associação dos Comerciantes, fez parte da Mesa da Misericórdia e outros cargos que não sei nem eu, nem os meus irmãos e que já não temos a quem perguntar.
Tinha grandes qualidades humanas e era um homem de grande integridade e honestidade.
Havia umas palavras suas que ficaram no ouvido de todos os seus netos: “trabalhinho...trabalhinho...”.
Em dada altura da sua vida e na altura da 2ª Grande Guerra (quando eu nasci) alguém lhe propôs fazer uma sociedade ligada à indústria de lanifícios e ele aceitou. Alguns meses mais tarde, chegou a casa e disse para a mulher: “Ó menina, vou sair da sociedade. Aquilo ganha-se muito dinheiro e não pode ser negócio sério!!”. E… saiu e dedicou-se novamente ao seu negócio “sério” que ele bem conhecia.
Durante os desmandos da 1ª República, e durante a 1ª Grande Guerra (Maio de 1915), foi assaltado, roubaram-lhe tudo, mas ele não perdeu a calma e recomeçou do zero o seu negócio.
Apaixonou-se pela nossa querida Avó Aurora e namorou-a, indo de bicicleta para debaixo da sua janela.
O Pai da Avó Aurora, não gostou nada do namoro, pois todas as outras 4 filhas namoravam gente da sua classe social e este era um simples empregado de mercearia.
Mal ele sabia que o Avô Leitão havia de ser o seu genro mais querido, o que conseguiu construir a casa mais sólida e o que valeu e ajudou depois mais tarde, em grandes aflições, vários membros da família.
Lembro-me dele como um velhinho de cabelos brancos e olhos claros que espirrava sempre 17 vezes seguidas, ficando com os olhos a brilhar, com os bolsos cheios de rebuçados para os netos e o Avô mais querido que se pode ter.
Adorava os netos sobretudo o mais velho, o meu irmão João. Dizia muitas vezes: “Este pequeno é muito esperto. Há-de ser Ministro e… das Finanças!”. Mal ele sabia que isso anos mais tarde iria acontecer, só que ele já não pôde ver.
Tinha também uma enorme ternura pelos netos (Rui e Jorge) que ficaram na sua casa a viver depois da morte da Tia Marília e assumiu completamente a sua educação.
Apanhou uma enorme fúria com a minha Mãe, quando ela deixou a Tété ir para Inglaterra, para um Curso de Verão, quando tinha 14 anos. Fechou-se na casa de banho e nem sequer se despediu dela. E dizia: “Tão maluca é a filha como a Mãe.”
Tanto eu como a minha irmã Tété, vivemos muito com ele quando viemos para Lisboa estudar, para uma casa que ele tinha montado cá, para a sua filha Ema acompanhar os sobrinhos que estavam em Lisboa. Lembro-me dele um pouco surdo, a querer meter-se nas conversas quando já iam a meio. Para não lhe explicarmos mais nada dizíamos “foi o Jerónimo Dias Freire que morreu” . Ele ficava a matutar naquilo e a cena repetia-se dezenas ou centenas de vezes e ele acreditava sempre e deixava-nos continuar a nossa conversa.
Lembro-me da sua rabugice e do que se zangou connosco uma vez que resolvemos ir passar o Carnaval à Covilhã, já eu tinha 20 anos, de boleia com um colega meu. Veio para a varanda e só dizia “Como é que as minhas netas se metem num carro com aquele maluco que de certeza nem sabe guiar… Se fosse Pai delas eu não deixava.” Parece-me que nunca lhe chegamos a contar que ele tinha razão, pois tivemos um desastre enorme numa curva da Estação de Mora e não morremos por acaso.
A Tété adorava despentear-lhe o seu cabelo branco e depois penteá-lo com um pente. Ele ria-se e pacientemente deixava-a fazer como ela queria, com franja, sem franja, para um lado ou para o outro…
Chamávamos-lhe nessa altura com muita ternura “velhinho de 100 anos” e ele achava-nos graça.
Morreu de um ataque de coração de repente com 80 anos sem dar trabalho a ninguém. Morreu como viveu. Discretamente.
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Francisca Aurora |
Francisca Aurora Henriques da Silva, nascida a 14 de Abril de 1883, era a 2ª filha de Francisco da Cruz Henriques da Silva, conceituado industrial da Covilhã e de Rosa Carvalho e Silva.
Tinha 4 irmãs e um irmão:
- Tia Amélia – que casou com o Tio Zé Bicho e foi Mãe da Manuela e Avó da Guida e da Teresinha Bicho.
- Tia Lucinda – que casou com o Tio ...Antunes e foi Mãe da Conceição Aibéu e do Fernando Antunes casado com a Prima Regina Rosa e Avó do Alexandre e da Guidinha Aibéu, da Regina, do Manel, do João e do Fernandinho Antunes.
- Tia Etelvina que casou com o Tio...Baptista e que não tiveram filhos.
- Tio Francisco Miguel que casou com a Tia Raquel e foi Pai do João José. Este irmão da Avó Aurora foi combatente na 1ª Grande Guerra e dado como desaparecido na Batalha de “La Lys”. Toda a família andou de luto, mas afinal não tinha morrido.
Lembro-me de todas as irmãs da Avó, menos da Tia Amélia que morreu antes de eu nascer. Eram para mim todas parecidas, sempre vestidas de preto, pois todas ficaram viúvas e morreram todas de idade avançada.
Quando se juntavam, passavam horas a contar coisas da sua infância, faziam muita troça da Tia Etelvina e riam e riam sem parar, connosco todos espantados com aquela risota.
A Avó Aurora era uma pessoa muito especial. Mimada até ao extremo pelo marido que sempre a tratou por “menina”, levou uma vida tranquila e sem se incomodar com nada.
Os Avós com a Isabel |
Os Avós e o Avô A. Morais com os netos |
Aos 40 anos, entregou o governo da casa a sua filha Ema e nunca mais se preocupou com nada, a não ser tratar de si própria.
Todas as semanas ia ao cabeleireiro, arranjar o cabelo e as unhas, que trazia sempre impecáveis.
Adorava jogar à canasta e fazer “paciências” e fazia “crochets” lindos.
Adorava jogar à canasta e fazer “paciências” e fazia “crochets” lindos.
Lembro-me sempre dela, sentada na mesa de camilha a fazer “crochet”, a lanchar uns lanches óptimos que havia sempre na sua casa ou a fazer “paciências”.
Adorava jogar na roleta do casino da Figueira da Foz, sentada ao lado do croupier a jogar nas dúzias.
Quando o marido não lhe fazia as vontades, fazia umas enormes fitas, simulava uns achaques e umas dores no peito e ele, que a adorava, ficava sempre numa aflição e foi nesta conversa até ao fim.
A Avó Aurora teve uma vida fácil, mas enormes desgostos.
Viu morrer a sua 1ª filha muito nova, viu morrer o marido e a 2ª filha também morreu antes dela.
O Avô João Leitão e a Avó Aurora casaram no dia 8 de Agosto de 1907 e foram passar a Lua de mel ao Buçaco.
Contavam, que tinham levado 2 contos, estiveram instalados no Grande Hotel durante 3 semanas e ainda trouxeram dinheiro.
Contavam, que tinham levado 2 contos, estiveram instalados no Grande Hotel durante 3 semanas e ainda trouxeram dinheiro.
Tiveram 3 filhos:
- Amadeu
- Marília (Mãe do Rui e do Jorge)
- Ema (a nossa querida Tia Ema que ficou solteira e foi a Tia que todas as famílias deviam ter).
A Tia Marília que morreu de uma operação mal feita, com 37 anos, deixando 2 filhos pequeninos, era a filha preferida do Avô Leitão.
Tia Ema, Mâe e Tia Marília (da esq. para a dta)
Bonita, bondosa, prendada, mas muito medrosa e agarrada aos Pais.
Não me lembro dela, pois tinha 3 anos quando morreu, mas lembro-me de sempre ouvir falar dela e das suas enormes qualidades.
Tudo o que fazia tinha de ser perfeito.
Bordava muito bem, cozinhava lindamente e era uma Mãe extremosa.
Viveu pouco tempo com os filhos, coitada, e fez-lhes uma falta enorme, pois por mais mimados que eles tenham sido pelos Avós e pela Tia Ema, não há amor que substitua a Mãe.
Quando ela morreu, o Avô Leitão, mandou construir um jazigo no cemitério da Covilhã onde, neste momento, está toda a família Leitão:
- o Avô Leitão
- a Avó Aurora
- a Tia Marília
- a Tia Ema
- o meu Pai
- a minha Mãe
A Tia Ema, minha madrinha, foi a autêntica tia solteira dedicada aos sobrinhos, sobretudo aos pequeninos que ficaram a seu cargo, com a morte precoce da irmã.
Habilidosa, boa cozinheira e tricotadeira, fez um enxoval enorme, de toalhas e lençóis de linho e fartou-se de fazer casaquinhos e camisolas, para todos os sobrinhos e depois, mais tarde, para os sobrinhos netos.
Era muito mais despachada do que a irmã, mas não era tão perfeita.
Foi o amparo dos Pais e tentou ser a Mãe, que os primos Rui e Jorge, não tiveram.
Tia Ema comigo ao colo |
Foi uma pessoa muito presente em todas as alegrias e desgostos da nossa família.
Todos nós contávamos com ela.
Quando nasceram os meus sobrinhos e mesmo quando nasceu a minha filha Marta, era a primeira pessoa a aparecer na maternidade.
Não para nos visitar, mas para estar todo o dia com cada uma de nós, ou com as minhas cunhadas.
Chegava logo de manhã com o seu “tricot” e ali ficava todo o dia.
Que bom que era!
A Tia Ema comandando os meus sobrinhos no baptizado da Marta |
Foi em casa dela, em Lisboa, que tanto eu como a minha irmã Tété vivemos, enquanto estivemos na faculdade.
Tomava conta de nós, mas não se intrometia na nossa vida de raparigas novas.
Tomava conta de nós, mas não se intrometia na nossa vida de raparigas novas.
Foi companheira e uma grande amiga.
Morreu com grande sofrimento, em Novembro de 1976, quando a minha filha Rita estava para nascer e ainda antes da Avó Aurora.
Lembro-me de a ir visitar ao IPO e ela me dizer: “Já não vejo essa criança”.
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O Amadeu Leitão em pequeno, era um “tocozinho”, como se dizia na Covilhã e como se pode ver na fotografia.
Amadeu Leitão |
Foi mandado muito pequenito, com apenas 7 anos de idade, para um Colégio de Padres em Liège – o Colégio La Salle.
Sem saber falar francês, foi de combóio, entregue a um senhor amigo do Avô Leitão, para um mundo completamente desconhecido e para um País de usos diferentes.
Nessa época, não havia as comunicações rápidas de hoje, pelo que é difícil imaginar a coragem destes Pais, de mandarem os filhos pequenos para tão longe, sem poderem comunicar com eles, senão através de cartas de tempos a tempos.
Esta experiência, deve ter marcado para sempre o caracter que veio a manifestar mais tarde: introvertido, tímido e rabugento…
Foi, concerteza, uma má experiência mas que, por outro lado, lhe abriu horizontes e lhe deu mais tarde, o gosto pelas viagens e por conhecer novos locais.
Voltou e foi para Coimbra, onde viveu a vida Académica, mais ou menos desinteressadamente e onde tirou o seu Curso de Medicina.
Namoro e casamento
Quando o Amadeu Leitão voltou à Covilhã era um galã.
Bonito, bem vestido, com um canudo nas mãos, era o ídolo de todas as meninas casadoiras.
Chamavam-lhe o Clark, pois estavam nessa altura em voga os filmes do Clark Gable.
O Clark |
E as meninas faziam rodas à volta dele e cantavam:
“Olha o Clark, olha o Clark, olha o Clark
O que está a fazer lá dentro
Está-se a pentear, está-se a pentear,
Pró dia do casamento”...
Mas ele, que adorava a pândega e andar com os amigos em grandes farras, encantou-se com a menina Morais, 6 anos mais nova e em quem ele pressentiu uma companheira para lhe animar a vida, uma Mãe extremosa, uma “máquina de ideias” (como lhe chamaria muitas vezes), um complemento alegre e extrovertido, oposto ao seu feitio bisonho e misantropo.
O Dr. Amadeu "catrapiscando" a Mariazinha |
O namoro foi curto pois o Dr. Amadeu era impaciente e gostava das coisas resolvidas rapidamente.
Montou o consultório onde, ainda recém formado, começou a diagnosticar as primeiras doenças sem saber muito bem o que estava a fazer, pois nessa altura os médicos mal acabavam de se formar, começavam imediatamente a exercer, sem fazer qualquer estágio.
Resolveram que o melhor, era ficarem a viver em casa do Avô Morais, pois já estava tudo montado e pouco era preciso comprarem.
O Avô Leitão ofereceu-lhes uma mobília nova, em contraplacado, que era a grande moda da época.
Tinha um espelho redondo, um chiffonier, um banco forrado a cor de rosa... Esta mobília que ainda existe e que está outra vez na moda, viu nascer nós os cinco.
O Avô Morais que vivia sozinho com a filha, pois o Titó estava nessa altura a estudar em Lisboa, aceitou com toda a generosidade do seu coração que o jovem casal se instalasse na sua casa.
O Avô A. Morais com a sua menina ainda solteira |
Retirou-se para o seu quarto e com a sua abnegação deixou até que as criadas, ao telefone, passassem a dizer que falava de casa do Dr. Amadeu Leitão.
Reduziu-se a um papel apagado e não interferiu nunca em nada.
Foi um exemplo de educação e descrição.
Como não teve muito jeito para desenvolver o negócio do sogro, dedicou-se à Quinta onde se esmerava em cultivar as espécies mais raras e onde todos os dias ia a pé desde a Covilhã.
Foi ele que nos proporcionou uma infância recheada de natureza e de trabalhos de campo: ajudar nas vindimas, assistir na adega ao pisoteio das uvas, provar o mosto, ver fazer o azeite e andar na roda do lagar, provar os pêssegos “J. H. Halle”, as uvas de mesa “Moscatel”, “Alphonse Lavallé”, e as deliciosas “Dedo de Dama”, comer o queijo fresco, fresquíssimo, oferecido pela D. Maria da Quinta da Abadia e um sem número de recordações que davam para encher várias páginas.
Foi com ele que passamos, em pequenos, vários fim de ano, quando os Pais iam a “Reveillons”, a ouvir a meia-noite na rádio e a beber uma gota de champanhe.
Foi ele que tomou conta de nós e esteve sempre presente a dirigir a casa sempre que os Pais iam viajar.
E a Mãe podia ir descansadinha pois com ele e com a sua serenidade tudo corria bem.
A memória que guardo dele é a de um avô muito amigo (eu era a sua neta preferida) sempre presente, mas muito discreto e reservado.
No dia do pedido de casamento, houve um bonito jantar para toda a família Leitão e foi preciso a Mãe dizer ao Pai para lhe dar o anel que trazia no bolso, pois ele, não ligava muito a essas “parrachisses”...
E foi assim toda a vida.
Ela convidava, adorava ter a casa cheia de gente, de fazer jantares, almoços e lanches, na Quinta e na Covilhã e ele pachorrentamente “aturava os fretes”.
Casaram no dia 12 de Fevereiro de 1936.
O copo de água foi servido pela “Pastelaria Marques” de Lisboa, em casa do Avô Morais.
As fotografias foram tiradas no terraço, pois o Inverno permitiu um dia lindo e sem frio, o que era raro nesta altura do ano na Covilhã.
Como não tinham muito dinheiro, resolveram ir passar a Lua de Mel para a Quinta.
E lá foram, com o Zé Lourenço que tinha sido chauffeur do Avô Manuel Jerónimo de Matos e que nesta altura já tinha um carro de aluguer (espécie de Táxi).
Mas... e havia de ser sempre assim, logo ao 3º dia, apareceu lá a família Leitão toda para almoçar.
Tiveram que combinar com a Bábá, na Covilhã, e mandar vir o almoço pelo Zé Lourenço.
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